Quando lemos a carta de Tiago e nos deparamos com a afirmação de que a fé sem obras é morta, não estamos diante de uma contradição da mensagem de Paulo sobre a salvação pela graça mediante a fé. Estamos diante de um retrato completo do Evangelho. Paulo nos lembra que ninguém é salvo por méritos, esforço ou cumprimento perfeito da Lei. Tiago nos mostra que a fé verdadeira, quando nasce no coração, inevitavelmente floresce em obediência, amor e serviço. Não são caminhos opostos. São duas lentes apontadas para a mesma verdade: Deus nos salva sem nossas obras, mas a salvação recebida produz obras.
O que é fé viva e por que as obras importam
Fé viva é confiança pessoal em Cristo. Não é apenas concordar com doutrinas, nem repetir fórmulas. É entregar o coração, a mente e a vontade ao Senhor. Essa fé se apoia na obra consumada de Jesus, reconhece a própria insuficiência e descansa na graça. Ao mesmo tempo, essa confiança move os pés, unge as mãos e aquece o coração. Quem crê passa a amar aquilo que Deus ama. Passa a odiar aquilo que o separa de Deus. Passa a enxergar o próximo como alguém precioso para o Pai. Fé viva não fica parada. É como uma fonte de água que, ao jorrar, irriga a terra ao redor.
As obras não compram o favor de Deus. Elas revelam o que está acontecendo dentro de nós. Assim como uma árvore frutífera não se esforça para ser árvore, mas frutifica porque está viva, o cristão pratica o bem porque foi alcançado por uma vida nova. As obras, então, são sinais. Mostram que as raízes foram plantadas no solo da graça. São também instrumentos. Pela nossa obediência, Deus consola o aflito, alimenta o faminto, visita o solitário, corrige o que erra e sustenta o que cai. A igreja se torna corpo vivo de Cristo quando sua fé transborda em atos concretos de misericórdia e justiça.
Alguns temem que, ao exaltar as obras, se caia no moralismo. Outros, ao defenderem a graça, receiam qualquer apelo à obediência. O Evangelho, porém, não é moralismo nem permissividade. Não diz faça para ser amado, nem diz faça o que quiser porque já é amado. Diz arrepende-te e crê no Evangelho. Diz segue-me. Diz tomai sobre vós o meu jugo. A graça não nos deixa como estamos. A graça nos transforma. Se alguém usa a doutrina da justificação para justificar uma vida indiferente, não entendeu a justificação. Se alguém usa a linguagem das obras para se gloriar, não entendeu o arrependimento.
A fé que fala e a fé que age
Tiago provoca com uma pergunta simples. De que adianta dizer que tem fé, se essa fé não se manifesta em cuidado prático pelo necessitado. Palavras piedosas têm valor, mas não substituem a ação. O irmão com frio precisa de agasalho. A família em aperto precisa de pão. A pessoa ferida precisa de escuta e presença. A fé que só promete oração, mas não se move quando pode ajudar, perdeu vigor. Deus nos criou para boas obras, preparadas de antemão. Ele não precisa delas para nos amar. O mundo precisa delas para ver o amor de Deus.
A Bíblia nos dá quadros vivos. Abraão creu e saiu. Depois, creu e ofereceu Isaque, confiando no caráter de Deus. Raabe creu e protegeu os espias, arriscando a própria vida. Nos evangelhos, Zaqueu encontrou Jesus e imediatamente sua fé tocou a carteira e a consciência. No livro de Atos, os que criam partilhavam o que tinham, visitavam, discipulavam, anunciavam e serviam. Em todos os casos, a fé veio primeiro, mas nunca permaneceu sozinha.
Há obras que brotam do medo, como quem tenta pagar uma dívida impagável. Essas obras cansam e amarguram. Há obras que brotam da vaidade, como quem busca aplauso. Essas obras se desfazem no primeiro vento. As obras do Reino nascem do amor. Surgem quando o coração se maravilha com a graça recebida e deseja refletir o caráter de Cristo. São silenciosas muitas vezes, feitas longe dos holofotes, mas conhecidas pelo Pai. São perseverantes, mesmo quando ninguém agradece. São humildes, porque sabem que todo bem vem de Deus.
Obedecer não é cumprir uma lista para se provar digno. É aprender a andar nos passos do Mestre. Jesus nos chama para uma vida de santidade que abrange tudo. Palavras, pensamentos, relacionamentos, trabalho, finanças, descanso, perdão. A fé sem obras se contenta com ritos. A fé viva se pergunta como agradar ao Senhor na segunda-feira, no trânsito, na mesa de casa, no escritório, no mercado, no uso do celular. A obediência é a música de fundo da vida cristã. Às vezes suave, às vezes forte, mas sempre presente.
Ao mesmo tempo, Jesus diz que serão escolhidos os "benditos de meu Pai", aqueles que acudiram o necessitado. Isso é obras. Quem acredita, age. Não há como dizer que crê sem agir.
A comunidade como oficina da fé
Ninguém aprende a servir sozinho. Deus nos coloca numa comunidade para sermos moldados. Na igreja carregamos os fardos uns dos outros, confessamos pecados, encorajamos, advertimos, celebramos. Ali descobrimos dons e somos enviados. Ali também somos confrontados em nosso egoísmo, nossa pressa e nossa impaciência. A fé sem obras prefere o isolamento. A fé viva se envolve, se responsabiliza, se deixa pastorear e pastoreia.
Nem toda necessidade é um chamado pessoal nem toda porta aberta é a porta certa para você. A fé que trabalha também busca sabedoria. Oramos, ouvimos conselhos, examinamos motivações, consideramos limites e vocações. Há quem sirva ensinando, quem sirva acolhendo, quem sirva administrando, quem sirva visitando, quem sirva intercedendo. O corpo é um só, mas os membros são muitos. O que não pode acontecer é abraçarmos a inércia e chamarmos isso de espiritualidade.
Haverá dias de cansaço. Haverá épocas em que a vontade de fazer o bem parece pequena. A fé viva olha para Cristo e renova as forças. Ele não apenas nos salvou. Ele caminha conosco, derrama o Espírito, reanima o coração e dá novo fôlego. Quando falhamos, não perdemos a esperança, porque nosso fundamento é a graça. Confessamos, recomeçamos e seguimos. As obras não são o alicerce, mas são as colunas visíveis de uma casa que Deus está construindo.
Examine seu coração diante de Deus. Pergunte se sua fé se traduz em atitudes no cotidiano. Lembre-se de que pequenas fidelidades constroem grandes testemunhos. Separe tempo na semana para servir alguém de maneira concreta. Ore por pessoas específicas e, quando possível, seja resposta à própria oração. Repare em quem passa despercebido. Procure oportunidades de generosidade que só Deus verá. Seja íntegro no trabalho, gentil nas conversas, honesto com o dinheiro, puro nas intenções. Perdoe com rapidez. Peça perdão com sinceridade. Testemunhe de Cristo com palavras e com vida.
Talvez você leia tudo isso e pense que está em falta. Todos estamos. A boa nova é que o Evangelho começa com o que Deus fez por nós em Cristo. Não tema se aproximar por causa das falhas. É justamente a graça que nos ergue e nos envia. Traga sua fraqueza, sua história e seu pouco pão. Nas mãos do Senhor, o pouco se multiplica. Ele se alegra com passos pequenos dados com um coração inteiro.
A lâmpada
Fé sem obras é como uma lâmpada desligada. Tem forma de lâmpada, mas não ilumina. O Senhor nos chama a acender a luz. Não para que sejamos vistos, e sim para que o nome dele seja glorificado. Fomos alcançados por uma graça poderosa e transformadora. Que essa graça faça brotar frutos de justiça, misericórdia e verdade em nossa vida. Que o mundo ao nosso redor experimente a bondade de Deus por meio de nossas mãos. Que a nossa fé, sustentada pela Palavra e pelo Espírito, seja uma fé viva, operante e perseverante, até o dia em que veremos o Autor da fé face a face.